quarta-feira, 23 de maio de 2012


A Noite em que a Noite Não Chegou
Um dia, mal acordou, a noite foi espreitar pela janela e reparou que já era quase noite. «Estou atrasada!», pensou ela ao ver que o Sol já tinha desaparecido e os candeeiros começavam a acender-se.
Mas, nesse dia, ou nessa tarde, ou nessa noite, a noite sentia-se muito preguiçosa.
Gostava muito de estar ali, no quentinho dos lençóis, mas à noite não podia.
Tinha sempre que fazer. Contrariada, deu uma volta e outra volta, desenroscou-se, enroscou-se e pensou lá para consigo: «Estou farta!»
Havia muitas, muitas noites desde o início dos tempos que a noite chegava à hora certa sem faltar um só dia. «E tudo isto para quê?», perguntou ela de si para si, «Só para que o vaidoso do Sol possa ir mostrar a sua linda cabeleira dourada ao outro lado do mundo... Hoje, não saio daqui... O Sol que se amanhe!»
Olhando para o seu antiquíssimo fato de trabalho, metade feito de estrelas, metade de escuros trapos, a noite resolveu por uma vez ficar na cama.
«O pôr-do-sol que se aguente por ai, a pairar no meio do céu, até que nasça o dia! Está resolvido. Hoje, ninguém me tira daqui l»
Assim, sem querer saber de mais nada, a noite deixou-se ficar na cama toda satisfeita, com uma chávena de chá numa mão e um livro de histórias na outra.
Quando perceberam que a noite não chegava, as pessoas, os bichos, os candeeiros e as flores começaram ajuntar-se às portas da noite. Os autocarros e os girassóis queriam ir dormir. Os mochos; as corujas e os guardas-nocturnos queriam sair para o trabalho. Por isso se puseram todos a gritar: «Venha a noite!»
Venha a noite! Então, nunca mais chega?! É preciso fazer cair a noite!»
Mas era tão alta a casa onde a noite morava que ninguém se atrevia sequer a tentar chegar lá acima.
Foi então que apareceu um menino rabino que pediu «Com licença...» a toda a gente e se pôs a trepar pelos últimos raios de sol. Num equilíbrio despachado, pôs um pé numa nuvem, outro num cometa e, em menos de nada, chegou junto da noite.
De tão entretida com o seu livro de histórias, a noite nem deu por nada. E mesmo que desse nem podia adivinhar. Não estava habituada a meninos e aos seus doces passos de algodão.
De mansinho, o menino rabino pôs-se a fazer-lhe cócegas nos pés. A noite desatou a rir às gargalhadas. «Ah, Ah, Ah! - Ah., Ah, Ah.!» Tanto se riu a noite que caiu da cama abaixo. E caindo, passou por estrelas, luas e sóis. Todas as luzes se apagaram a sua, passagem e um manto muito grande, negro, de cetim, foi cobrindo aos poucos o mundo inteiro.
O menino rabino, do esforço que fez, ficou tão cansado e com tanto sono que nem perdeu tempo. Deitou-se logo na cama da noite e, antes de adormecer, voltou-se para ela que lá em baixo já tomara conta do mundo inteiro e disse-lhe baixinho: «Adeus, noite... Até amanhã... Boa noite...»
José Fanha

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